Cláudia Cristina de Miranda Melo Andrade – menina, moça, mulher de nome extenso, mas que não denota, nunca denotou riqueza, nobreza, status. Esposa, mãe, viúva… e professora, antenada ao tempo, ligada à vida, e em sintonia com Deus.
De onde vim? De uma pequena cidade de Minas Gerais – Lagoa Dourada – próxima a São João del-Rei, filha de pais que nunca tiveram acesso à escola, porém, aos nove filhos, ofereceram o que tinham de melhor – amor, respeito, fé – e permitiram com que cada um alçasse o voo escolhido. Sou grata aos dois pelo dom da vida, principalmente à minha mãe, e sei que o que sou devo a eles, com a permissão divina.
Qual foi a minha trajetória escolar? Recordo-me, com saudade, do Pré- primário de 6 anos. O prédio do Cerepa foi a minha primeira experiência escolar. Tia Mana, a primeira professora, inesquecível, assim como sempre são as primeiras educadoras – Tia Nina, Tia Neide – depois, não sei por que, acabam no esquecimento. Vem à mente, com alegria, os pequenos teatros e as apresentações no auditório da Escola Municipal Angelina Medrado, anos iniciais do Ensino Fundamental I. Os afazeres em sala de aula não são lembrados da mesma forma, eram exigentes, entretanto, o desafio fazia prosseguir. Escola Estadual Abeilard Pereira, Ensino Fundamental II, vontade de voltar a essa época não tenho, enfrentei a maior dificuldade de aprendizagem de toda a minha caminhada estudantil. Com muito sacrifício e esforço, cheguei ao Ensino Médio, Escola Estadual Cônego Oswaldo Lustosa, em São João del-Rei, porque decididamente, não seria professora, e o Magistério era a única opção oferecida ao lagoense.
Em Belo Horizonte, por ironia do acaso, fiz Letras na PUC Minas, licenciatura em Língua Portuguesa e Inglesa. Assim que formei-me, privilégio de poucos, comecei a trabalhar na Escola Estadual Celso Machado, zona metropolitana de BH, com o Inglês, e logo em seguida, a partir de uma necessidade familiar, regressei, junto à filha e também ao marido à terra natal.
Escola Estadual Abeilard Pereira, outrora, para mim, berço de aprendizagem, hoje, de ensinamento e humanamente falando, mais aprendizado do que nunca. Com muito orgulho posso dizer que a menina silenciosa e tímida de antes, no seu íntimo, ainda persiste, entretanto, profissionalmente, cresceu, fez-se notar e mais ainda, aprendeu, aprende e aprenderá sempre no palco da sala de aula, lugar de encontro e também de desencontro de pessoas, de mundos tão adversos.
Sinto-me realizada pessoal e profissionalmente. Quanto a este, com o intuito de aprimorar sempre, e principalmente pelo amor que tenho à causa educacional, voltei para a faculdade. Em 2018, formei-me no Curso de Pedagogia da UFSJ, sinto-me honrada e feliz por poder dedicar-me à formação de jovens do Ensino Médio de Lagoa Dourada, tendo sempre em mente as orientações freireanas e por esse motivo não poderia jamais deixar de citar Paulo Freire, em quem deposito a minha confiança e acredito verdadeiramente: “A educação não muda o mundo, transforma pessoas. As pessoas mudam o mundo!”.
Diante dessa breve trajetória de vida, necessária para o meu reconhecimento identitário enquanto pessoa, imbricada por nuances próprias da constituição de ser quem sou e, além disso, (re)pensar o lugar que ocupo profissionalmente, como constituo-me e faço constituir em meio às pluralidades inúmeras do universo escolar, proponho-me responder ao questionamento feito por Franciane, aluna do Mestrado em Educação, que surgiu ao longo de um dos nossos encontros do grupo de pesquisa e de estudos críticos do discurso pedagógico – GECDiP – que vem a ser: “Cláudia, o que mais angustia você na sala de aula do Ensino Médio da escola estadual?”. Sem pensar demais, a resposta já estava na ponta da língua: “A falta de voz, o mutismo que muitas vezes denota desinteresse, não importância, a inércia estudantil, a passividade. A falta de ação/reflexão, de atitude, é o que mais incomoda-me”. E essas questões todas são muito fortes em Paulo Freire:
“O grande problema de nossa educação atual, o seu mais enfático problema, é o de sua inadequacidade, com o clima cultural que vem se alongando e tende a se alongar a todo o país. É uma educação em grande parte, ou quase toda, fora do tempo, e superposta ao espaço ou aos espaços culturais do país. Daí a sua inorgacidade. A sua inefificiência…” (2003, p. 79).
Eu gostaria que os alunos fossem mais do que já são, mais participativos, mais críticos, mais políticos, mais humanos, e acredito piamente que podem. Eu queria que se valorizassem mais, que soubessem o lugar que ocupam, que reconhecessem na própria história, a história familiar e a história escolar que os constituem, que os fazem ser quem são, que considerassem o caminhar próprio e soubessem onde pretendem chegar. Nesse sentido, Paulo Freire ensina:
“Parece-nos que uma das fundamentais tarefas da educação brasileira, vista sob o ângulo de nossas condições faseológicas atuais, será, na verdade, a de criar disposições mentais no homem brasileiro, críticas e permeáveis, com que ele possa superar à força de sua ‘inexperiência democrática’”. (2003, p.79)
A partir disso, também questiono-me. Há três décadas ou mais, vivenciei esse mesmo percurso, estudiosos e pesquisadores da educação há séculos já orientam, buscam soluções eficazes para o como fazer e o que se deve evitar quanto ao processo ensino-aprendizagem, mas a sensação é a de que tudo continua como antes. Paulo Freire, educador nacional renomado, já nos presenteou com pedagogias diversas e a constatação que se chega, muitas vezes, é que em nada, o aluno, o professor, a escola, a família, a comunidade evoluíram, e essa paralisação se perpetua até os dias atuais.
O que fazer? Como fazer? Perante essa realidade, só resta-me acreditar que a melhor forma de educar pessoas é possibilitando com que elas se sintam mais, e nesse sentido apego-me a Paulo Freire quanto ao seu “ser mais”, uma educação que liberta e emancipa, mas que também é politizada e essencialmente humana, capaz de formar alguém que seja crítico e que saiba se posicionar no mundo, na vida, e em relação ao outro. Sendo assim, pergunto-me e pergunto a você: Quais práticas pedagógicas deveriam ser implementadas na Educação Básica da rede pública, e se porventura já sabemos quais são, por que não são executadas para que se tenha de fato um trabalho eficiente e que atenda às demandas educacionais já propostas por Paulo Freire no século passado? Mais uma vez, Freire faz pensar:
“Como, porém, aprender a discutir e a debater numa escola que não nos habitua a discutir, porque impõe? Ditamos ideias. Não trocamos ideias. Discursamos aulas. Não debatemos ou discutimos temas. Trabalhamos sobre o educando. Não trabalhamos com ele. Impomo-lhe uma ordem a que ele não se ajusta concordante ou discordantemente, mas se acomoda. Não lhe ensinamos a pensar, porque recebendo as fórmulas que lhe damos, simplesmente as “guardas”. Não as incorpora, porque a incorporação é o resultado da busca de algo, que exige, de quem o tenta, esforço de realização e de procura. Exige reinvenção”. (2003, p.90)
Referência:
FREIRE, Paulo. Educação e Atualidade Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire,2003.